sexta-feira, 31 de maio de 2013

Um poema antigo

Como não estou tendo muita criatividade para escrever coisas novas, vou começar a postar coisas antigas.

Assim, eis um poema que criei a caminho do trabalho em 2008 e que, por enquanto, não tem título:

A montanha que vejo toda manhã
me lembra das terras de lá
Ah! Quando voltar?
Quando saciar a ânsia desse coração aflito?
Mas será que o anseio é pelas terras de lá,
ou será que por um outro lugar
mais distante, mais além?
Ah! Para lá, quando voltar?

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ruminar




Escrevi o texto que se segue no primeiro semestre da faculdade de direito, numa prova de metodologia, disciplina que ministrava o querido professor Mauro Iasi. A prova consistia em fazer uma resenha ou “ensaio” com base num texto de José Carlos Bruni, intitulado O tempo da cultura em Nietzsche, disponível aqui, e que trata da pressa com que a cultura moderna consome a informação, sem necessariamente meditar a respeito dela.

Inspirado pelo final do semestre, cm certa liberdade literária e, agora eu fico pensando, sem me preocupar muito com a nota ou em conferir ao texto um caráter científico, fiz a seguinte reflexão, a que intitulei, na correria da prova, As vacas todas pularam a cerca e não sobrou nenhum ruminar, mas o engolir de conteúdo:


“Comte, Marx, Engels, Aristóteles, Weber, Durkheim, Heráclito, Platão... Alguns dos nomes apresentados ao primeiranista de Direito em seu primeiro semestre de aventura nesse mundo estranho, nesse mundo acadêmico, nesse mundo universitário.
Ele conheceu a dialética, o materialismo, o devir pré-socrático, o positivismo, enfim, começou a aprender a falar uma nova língua, uma língua que ele não entende ainda, mas que sabe vai ser necessária. Entupiu-se de cultura clássica, marxista, liberal, renascentista, pois sabe que, mais do que tudo, sua formação cultural é importante...
Agora, a pergunta: necessária, importante, para quê?
E aquele estudante vai responder com uma convicção peremptória e orgulhosa: “Sendo o Direito a área que abrange todos os ramos humanísticos, preciso ter cultura para me colocar melhor no mercado.”
Então chegamos ao ponto chave. Nietzsche já dizia que o objetivo da cultura moderna é ser suficientemente rápida para tornar o homem rico, e suficientemente profunda para torna-lo muito rico.
Pois que, nessa ânsia “cultural”, o estudante devora os livros, todos eles, sem entendê-los, nessa sanha, nessa pressa de se tornar culto (já se sabe para quê), ele se esquece do que é a cultura, se esquece de ruminar antes de engolir toda sua literatura técnico-científico-filosófico-dogmática. As vacas todas pularam a cerca, o ruminar foi deixado para trás, ficando apenas o pasto do conhecimento pisado e mal digerido, pontilhado pelo estrume da pressa com que fugiram as vacas.
E nisso a poesia fica para trás (as vacas pisaram nas flores), o belo, aquilo que merece observação fica para trás. Enquanto ele quase queima o papel na pressa de entregar o fichamento de metodologia, enquanto ele não dorme para fazer o trabalho de Economia, ele perde as tardes azuis de vento e céu lá fora, perde o sol em raios entre as nuvens, perde o nascer da lua lá no leste, perde os olhos e o perfume da menina que lhe espera, esquece-se de si mesmo e se metamorfoseia num ser estranho a si mesmo, numa mórula de advogado, jurista ou o que quer que seja. Enfim, se esquece de contemplar o não-acaso que é a natureza e seu próprio eu.
Já no primeiro semestre, ele se esquece.”

Lá se vão quase nove anos e agora, depois de terminar a dissertação de mestrado, fica a sensação parecida de não ter ruminado tudo o que li e de, premido pelo tempo e pela necessidade de finalizar os trabalhos, ter criado o péssimo hábito de engolir a informação necessária e não meditar adequadamente sobre ela. Numa auto-crítica, posso dizer que foram raros os momentos em que consegui fazer isso nesses três anos de mestrado (não por acaso, os momentos que resultaram nas partes que mais me agradam no trabalho redigido). Péssimo habito que acabei transferindo para outras áreas: ler literatura na correria; ler a Bíblia e não meditar no que li, ao contrário do que aconselha o salmista; engolir informação sem cessar e não parar muito para pensar. Enfim, um péssimo hábito, que não raro gera e esquecimento e não sedimenta nem o conhecimento, muito menos a sabedoria que dele deve decorrer.

Assim, relendo minha singela prova de metodologia à luz da experiência do mestrado, fica o anseio por uma vida intelectual mais ruminante, mais serena e reflexiva, e a esperança de que isso se espraie para a vida como um todo, nadando contra a corrente desses nossos dias tão apressados e sem meditação.

Ruminemos.

 


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O Fim do Mundo

Evangelho – o fim do mundo!


Já pensou?


...se o amor existisse de verdade entre as pessoas, sem fingimento, puro e verdadeiro.....?

...se a gente desse também a capa a quem pedisse a túnica....?

...se a gente andasse um montão junto com quem pediu uma breve companhia...?

...se a gente tivesse coragem de emprestar sem esperar devolução....?

...se gente oferecesse sempre uma outra face da situação, quando dos e nos momentos de desentendimento, agressão, conflito.....?

...se a gente desse de comer e beber aos inimigos e assim amontoássemos brasas vivas sobre a sua consciência de forma que o inimigo percebesse sua condição e tivesse oportunidade de iniciar uma revolução em sua vida.....?

... se fossemos o sal que salgando o mundo desse sabor à vida....?

... se lembrássemos que o sal se dissolve e desaparece para dar sabor...?

... se fossemos a luz que ilumina o mundo e evidencia o que antes era encoberto pelas trevas...?

...se nos dispuséssemos a jamais julgar alguém, jamais emitir um veredicto sobre alguém, jamais condenar alguém, jamais amaldiçoar alguém...?
 
... se pudéssemos jamais pensar que alguém não é filho de uma digníssima mãe...?
 
...se pensássemos a nosso próprio respeito apenas moderadamente o que convém, e com fé.....?
 
... se finalmente entendêssemos que somos parte de um mesmo corpo, que precisamos um do outro sem nenhuma pré-condição, sem nenhum pré-conceito, sem nenhum pré-julgamento, sem nenhuma pré-restrição, sem..... semnenhuma pós-condição, sem nenhum pós-conceito, sem nenhum pós-julgamento, sem nenhuma pós-restrição, sem.....?
 
...se jamais quiséssemos escravizar alguém física, emocional, psicologicamente,....?
 
...se nossa relação de uns para com outros fosse sempre de igualdade....?
 
...se lembrássemos que deveríamos considerar o outro como superior a nós mesmos...?
 
... se lembrássemos que sendo o outro superior deveríamosservi-lo...?
 
... se nos apegássemos ao bem e nos aborrecêssemos do mal....?
 
... se buscássemos a unanimidade e não a diferença, na nossa diversidade...?
 
...se não buscássemos a vingança....?
 
... se não devolvêssemos o mal com outro mal.....?
 
...se não amaldiçoássemos, e sim abençoássemos os que nos perseguem...?
 
... se fossemos cuidadosos uns para com os outros...?
 
... se a nossa ganância e ambição fossem regadas de humildade.....?
 
... se nossa sabedoria não fosse ensimesmada...?
 
... se nos alegrássemos com as alegrias alheias....?
 
... se fossemos solidários com as tristezas alheias...?
 
... se utilizássemos nosso patrimônio de forma a suprir as necessidades uns dos outros....?
 
... se nossas necessidades fossem somente reais necessidades...?
 
... se nossos guias financeiros fossem os lírios do campo e as aves do céu...?
 
...se nosso patrimônio pudesse não ser sinônimo de riquezas....?
 
...se nossa riqueza fosse somente valores que nem a traça, nem a ferrugem pudessem corroer e, nem o ladrão pudesse roubar, e nem o vizinho pudesse invejar...?
 
... se  as decisões humanas não fossem mais medidas apenas pelos critérios da utilidade ou das moralidades que impedem a instauração de uma verdadeira consciência em fé...?
 
... se o medo e culpa não fossem mais o motor das nossas ações, mas apenas a Lei do Amor que os lança fora...?
 
 
 
 
Seria o fim do mundo!!!
 
 
 
Acho que eu o quero.....o Fim do Mundo, o Evangelho!
Não é nada ruim, pelo contrário, muito, mas muito bom!
Jesus Cristo, o evangelho de Deus para os homens!
Nós, simplesmente pra nós!

 
Escriito em parceria com meu tio Marcus Vinícius Epprecht
Publicado também em seu blog, o Oportunizando
 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O abalo das fundações - Paul Tillich

Observei a terra, e eis que era sem forma e vazia; também os céus, e não tinham a sua luz. Observei os montes, e eis que estavam tremendo; e todos os outeiros estremeciam. Observei, e eis que não havia homem algum; e todas as aves do céu tinham fugido. Vi também que a terra fértil era um deserto; e todas as suas cidades estavam derrubadas diante do SENHOR, diante do furor da sua ira. Porque assim diz o SENHOR: Toda esta terra será assolada; de todo, porém, não a consumirei. Por isto lamentará a terra, e os céus em cima se enegrecerão; porquanto assim o disse, assim o propus, e não me arrependi nem me desviarei disso. Ao clamor dos cavaleiros e dos flecheiros fugiram todas as cidades; entraram pelas matas e treparam pelos penhascos; todas as cidades ficaram abandonadas, e já ninguém habita nelas. Agora, pois, que farás, ó assolada?
Jeremias 4, 23-30
Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão abalados; porém a minha benignidade não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não mudará, diz o SENHOR que se compadece de ti.
Isaías 54, 10
Os fundamentos da terra tremem. De todo está quebrantada a terra, de todo está rompida a terra, e de todo é movida a terra. De todo cambaleará a terra como o ébrio, e será movida e removida como a choça de noite; e a sua transgressão se agravará sobre ela, e cairá, e nunca mais se levantará.
Isaías 24, 18-20

É difícil falar depois dos profetas terem falado como falaram nesses pronunciamentos. Cada palavra é como a pancada de um martelo. Houve um tempo em que podíamos ouvir tais palavras sem sentir ou entender muita coisa. Houve décadas e mesmo séculos em que não as levávamos a sério. Hoje, esses dias se foram. Hoje, devemos levá-las a sério. Pois elas descrevem, com poder visionário, o que a maioria dos seres humanos em nosso período experimentou e aquilo que, talvez, num futuro não muito distante, toda a humanidade experimentará em abundância. “As fundações da terra são abaladas”. As visões dos profetas se tornaram uma possibilidade física real e podem se tornar uma realidade histórica. A frase “a terra se divide em pedaços” não é, para nós, uma mera metáfora poética, mas uma dura realidade. Esse é o significado religioso da era em que entramos.

A Bíblia sempre nos falou do começo e do fim do mundo. Ela fala de eternidade antes do mundo ser fundado; fala do tempo em que Deus estabeleceu as fundações da terra; fala do abalo dessas fundações e do desmoronamento do mundo. Num dos livros mais tardios, 2 Pedro, está dito que “os céus desaparecerão com um rugido crepitante e os elementos derreterão com calor fervente, e a terra e as obras que ali existem arderão”. Isso não é mais uma visão; tornou-se real. Sabemos que, no interior de nossa terra, e no interior de tudo em nosso mundo que tem forma e estrutura, estão presas forças destrutivas. Estabelecer as fundações da terra significa aprisionar essas forças. Quando o poder desregrado das menores partes de nosso mundo material foi restringido por estruturas coesas, nos foi dado um lugar em que a vida poderia crescer e a história se desenvolver, no qual palavras poderiam ser ouvidas e o amor ser sentido, e no qual a verdade poderia ser descoberta e o Eterno adorado. Tudo isso foi possível porque o caos flamejante do princípio foi transformado no solo fértil da terra.

Mas do solo fértil da terra um ser foi gerado e nutrido, um ser que era capaz de encontrar a chave para a fundação de todos os seres. Esse ser era o homem. Ele descobriu a chave que pode libertar as forças do solo, aquelas forças que haviam sido aprisionadas quando as fundações do mundo foram estabelecidas. Ele começou a usar essa chave. Ele submeteu a base da vida e pensamento e querer ao seu querer. E ele quis a destruição. E em prol da destruição ele usou as forças do solo; através de seu pensamento e seu trabalho ele as libertou a desamarrou. É por isso que as fundações da terra balançam e tremem em nosso tempo.

Na linguagem dos profetas, é o Senhor quem faz tremer as montanhas e derreter as rochas. Essa é uma linguagem que o homem moderno não consegue entender. E então Deus, que não está preso a nenhuma linguagem especial, nem mesmo àquela dos profetas, falou aos homens de hoje através das bocas de nossos maiores cientistas, e isto é o que Ele disse: Vocês mesmos podem trazer o fim sobre si. Eu dou em suas mãos o poder abalar as fundações de sua terra. Vocês podem usar esse poder para a criação ou para a destruição. Como vocês vão usá-lo? Isso é o que Deus disse à humanidade através do trabalho dos cientistas e de sua descoberta da chave para as fundações da vida. Mas ele fez ainda mais. Ele impôs sobre eles Sua Palavra, como tinha imposto sobre os profetas, apesar de eles sempre tentarem resistir a ela. Pois nenhum profeta gosta de dizer o que tem de dizer. E nenhum cientista que participou da grande e terrível descoberta gostou de dizer o que tinha de dizer. Mas eles não podiam senão falar; tiveram de levantar sua voz, como os profetas, para dizer a esta geração o que os profetas disseram às suas gerações: que terra e homem, árvores e animais, são ameaçados por uma catástrofe da qual eles quase não podem escapar; Uma ansiedade tremenda se expressa através da voz desses homens. Eles não só sentem o abalo das fundações, mas também que são, em larga escala, responsáveis por ele. Eles nos dizem que desprezam o que fizeram, porque sabem que só nos restou uma pequena chance de escapar. Oscilando entre pouca esperança e muito desespero, eles nos encorajam a aproveitar essa chance.

Essa é a maneira pela qual Deus falou à nossa geração sobre o abalo das fundações. Nós tínhamos nos esquecido de tal abalo. E foi a ciência, mais do que qualquer outra coisa, que nos fez esquecer. Não a ciência como conhecimento, mas ciência utilizada para os fins de uma idolatria escondida, para o fim de nos levar a acreditar que nossa terra é o lugar do estabelecimento do Reino de Deus e a acreditar que nós mesmos somos aqueles pelos quais isso será alcançado. Houve profetas dessa idolatria - falsos profetas, como eram chamados por Jeremias - que anunciavam: “Progresso, Progresso Infinito! Paz, Paz Universal! Felicidade, Felicidade para todos!” E agora o que aconteceu? A mesma ciência, em cujo poder salvador esses falsos profetas acreditavam, destruiu completamente essa idolatria. O maior triunfo da ciência foi o poder que ela deu ao homem para aniquilar a si mesmo e a seu mundo. E aqueles que trouxeram à luz esse triunfo hoje estão falando, como os verdadeiros profetas do passado, não do progresso, mas de um retorno ao caos inicial, não da paz, mas de ruptura; e não de felicidade, mas de destruição. Dessa forma, a ciência está expiando o abuso idólatra em que ela se lançou por séculos. A ciência, que fechou nossos olhos e nos lançou num abismo de ignorância sobre as poucas coisas que realmente importam, agora se revelou, abriu nosso olhos e apontou para pelo menos uma verdade fundamental - que “as montanhas partirão e as colinas serão removidas”, que “a terra cairá para não mais se levantar”, porque suas fundações serão destruídas.

Mas ainda se ouvem vozes - e desde o primeiro choque elas têm aumentado - que tentam nos confortar dizendo: “Talvez o homem vá usar o poder de abalar as fundações para propósitos criativos, para o progresso e para a paz e felicidade. O futuro está nas mãos do homem, em nossas mãos. Se nós devemos decidir pela construção e não pela destruição, por que não deveríamos nós ser capazes de continuar a criação? Por que não poderíamos nos tornar como Deus, ao menos a esse respeito?” Jó teve de ficar em silêncio quando o senhor lhe falou de dentro do redemoinho “Onde estavas tu quando estabeleci as fundações da terra? Declares se tens entendimento!” Mas nossas falsas vozes continuam: “Talvez nós possamos responder o que Jó não conseguiu. Nossas descobertas científicas não revelaram os mistérios das formas em que a terra foi fundada? Não somos nós capazes, em pensamento e conhecimento, de estar presentes nesse evento? Por que deveríamos ter medo do abalo da fundações?” Mas o homem não é Deus e onde quer que ele tenha clamado ser como Deus ele foi repreendido e levado à auto-destruição e desespero. Quando ele se apoiou de forma auto-complacente em sua criatividade cultural ou em seu progresso técnico, em suas instituições políticas ou em seus sistemas religiosos, ele foi lançado na desintegração e no caos; todas as fundações de sua vida pessoal, natural e cultural foram abaladas. Enquanto tem havido história humana, é o que tem acontecido; em nosso período aconteceu numa escala maior do que nunca. A reivindicação do homem de ser como Deus foi mais uma vez rejeitada; nenhuma fundação da vida de nossa civilização permaneceu inabalada. Ao lermos algumas das passagens dos profetas, poderíamos facilmente imaginar estarmos lendo os relatos de testemunhas oculares de Varsóvia ou Hiroshima ou Berlim. Isaías 24 diz: “1Eis que o Senhor devasta a terra e a torna deserta, transtorna a sua face e dispersa seus habitantes ... 1A cidade desordenada está em ruínas, todas as casas fechadas, para que ninguém possa entrar nelas ... 1Acabada a alegria, o regozijo foi banido da terra ... 1Na cidade só restam escombros e a porta arrombada está em pedaços ... 1A terra foi profanada por seus habitantes, porque transgrediram as leis, violaram as regras e romperam a aliança eternal … 1Por isso a maldição devora a terra e seus habitantes expiam suas penas.” Cada uma dessas palavras descreve a experiência dos povos da Europa e da Ásia. As mais primitivas e essenciais fundações da vida foram abaladas. A destruição é tal que nós que não a experimentamos não podemos nem imaginá-la. Não a experimentamos e não conseguimos acreditar que poderíamos ser apanhados por uma tal destruição. E ainda assim eu vejo os soldados americanos andando pelas ruínas dessas cidades, pensando em seu próprio país e vendo, com clareza visionária, a destruição de suas próprias cidades. Eu sei que isso aconteceu e ainda acontece. Há soldados que se tornaram profetas, e sua mensagem não é muito diferente da mensagem dos antigos profetas hebreus. É a mensagem do abalo das fundações, não as de seus inimigos, mas antes as de seu próprio país. Pois o espírito profético não desapareceu da terra. Décadas antes das Guerras Mundiais, homens proferiam um julgamento contra a Civilização Européia e profetizaram seu fim em discursos e escritos. Há entre nós pessoas como essas. São como os refinados instrumentos que registram o tremor da terra em lugares remotos de sua superfície. Essas pessoas registram o abalo de sua civilização, suas sendas autodestrutivas e sua desintegração e queda, décadas antes da catástrofe final ocorrer. Elas têm um sensorial invisível e quase infalível dentro de suas almas; e elas têm uma necessidade irresistível de pronunciar o que registraram, talvez contra suas próprias vontades. Pois nenhum profeta verdadeiro jamais profetizou voluntariamente. Isso lhe foi imposto por uma Voz Divina à qual ele não conseguiu fechar seus ouvidos. Nenhum homem com espírito profético gosta de prever e predizer a destruição de seu próprio período. Isso o expõe a uma terrível ansiedade dentro de si, a ataques severos e freqüentemente mortais por parte de outros, e à acusação de pessimismo e derrotismo por parte da maioria das pessoas. Os homens desejam ouvir boas notícias; e as massas escutam aqueles que as trazem. Todos os profetas do Velho e do Novo Testamento, e outros ao longo da história da Igreja, tiveram a mesma experiência. Eles todos foram contrariados pelos falsos profetas, que anunciavam salvação quando não havia salvação. “Os profetas profetizam falsamente e meu povo ama que assim seja”, brada Jeremias em desespero. Eles o chamaram de derrotista e o acusaram de ser um inimigo de seu país. Mas será que é um sinal de patriotismo ou de confiança em seu povo, suas instituições e modo de vida, ficar em silêncio quando as fundações estão sendo abaladas? Será que a expressão do otimismo, seja ele ou não justificado, é tão mais valiosa do que a expressão da verdade, mesmo se a verdade é profunda e sombria? A maioria dos seres humanos, é claro, não consegue suportar a mensagem do abalo das fundações. Eles rejeitam e atacam as mentes proféticas, não porque eles realmente discordem delas, mas porque eles sentem a verdade de suas palavras e não conseguem recebê-la. Eles a reprimem em si mesmos; e eles a transformam em zombaria ou fúria contra aqueles que sabem e se atrevem a dizer o que sabem. Em qual desses grupos você considera estar? Entre aqueles que respondem ao espírito profético ou entre aqueles que fecham seus ouvidos e corações contra ele? Sempre senti que pode haver alguns que são capazes de registrar o abalo das fundações - que são capazes de suportar isso e que são capazes, sobretudo, de dizer o que sabem, porque são corajosos o suficiente para suportar a inevitável inimizade de muitos. Para esses poucos é que minhas palavras se dirigem em particular.

Por que os profetas eram capazes de enfrentar o que sabiam, e então pronunciá-lo com tal poder avassalador. Seu poder brotava do fato de que eles não falavam realmente das fundações da terra enquanto tais, mas d’Aquele que estabeleceu as fundações e as faria tremer; e que eles não falavam da ruína das nações enquanto tal, mas d’Aquele que traz ruína pelo bem de sua Justiça e Salvação eternas. Como diz o Salmo 102: “os teus anos são por todas as gerações. Desde a antiguidade, fundaste a terra e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás; todos eles envelhecerão como um vestido; como roupa os mudarás. Porém tu és o mesmo e os teus anos nunca terão fim”. Quando a terra envelhecer e se esgotar, quando as nações e culturas morrerem, o Eterno mudará as roupas de seu Ser Infinito. Ele é a fundação sobre a qual estão estabelecidas; e esta fundação não pode ser abalada. Há algo inamovível, imutável, inabalável, eterno, que se torna manifesto conforme nós passamos e nosso mundo desmorona. Nas fronteiras do finito, o infinito se torna visível; à luz do Eterno, a transitoriedade do que é temporal aparece. Os gregos chamavam a si mesmos de “os mortais” porque eles experimentavam o que é imortal. É por isso que os profetas eram capazes de enfrentar o abalo das fundações. É a única maneira de olhar para o abalo sem recuar diante dele. Ou será que é possível estar consciente da destruição que se aproxima e, ainda assim, olhar para ela com indiferença e cinismo? É humanamente possível enfrentar o fim cinicamente? Certamente, há alguns entre nós que são cínicos com relação à maioria das coisas que o homem cria e louva. Há alguns dentre nós que são cínicos em relação à presente situação do mundo e seus líderes. Nós podemos ser cínicos, é claro, em relação aos verdadeiros motivos por detrás de toda ação humana; podemos ser cínicos com relação a nós mesmos, nosso crescimento interior e nossas aquisições exteriores. Podemos ser cínicos com relação à religião e nossas igrejas, suas doutrinas, seus símbolos e seus representantes. Não há quase nada sobre o que não possamos ser cínicos. Mas não podemos ser cínicos frente ao abalo das fundações de todas as coisas! Nunca encontrei ninguém que fosse cínico de verdade em relação a isso. Vi muito cinismo, particularmente entre os jovens da Europa, antes da Guerra. Mas sei, por muitas testemunhas, que esse cinismo desapareceu quando as fundações do mundo começaram a ser abaladas no início da catástrofe européia. Nós podemos ser cínicos em relação ao fim somente enquanto não tivermos que vê-lo, só enquanto nos sentirmos seguros no lugar onde nosso cinismo pode ser exercido. Mas se as fundações desse lugar e de todos os lugares começam a desmoronar, o próprio cinismo desmorona com elas. E só duas alternativas restam - desespero, que é a certeza da destruição eterna, ou fé, que é a certeza da salvação eterna. “O mundo irá desmoronar, mas minha salvação não conhece fim”, diz o Senhor. Esta é a alternativa pela qual os profetas se posicionavam. Isso é o que deveríamos chamar de religião ou, mais precisamente, de fundamento religioso de toda religião.

Como os profetas podiam falar como falavam? Como eles podiam pintar esses quadros tão terríveis de ruína e destruição sem cinismo ou desespero? Assim o faziam porque, além da esfera de destruição, eles viam a esfera da salvação; porque, na ruína do que é temporal, viam a manifestação do Eterno. E era porque estavam certos de que pertenciam às duas esferas, o mutável e o imutável. Pois só quem está também além do mutável, e não preso sozinho dentro dele, pode enfrentar o fim. Todos os outros são forçados a escapar, a virar as costas. Quanto de nossas vidas não consiste senão em tentativas de desviar o olhar do fim! Freqüentemente conseguimos nos esquecer do fim. Mas, em última instância, falhamos; pois nós sempre carregamos o fim conosco, em nossos corpos e nossas almas. E, freqüentemente, nações e culturas inteiras conseguem se esquecer do fim. Mas, em última instância, elas também falham, pois em suas vidas e crescimento elas sempre carregam consigo o fim. Freqüentemente, a terra inteira consegue fazer com que suas criaturas se esqueçam do fim, mas às vezes essas criaturas sentem que sua terra está começando a envelhecer e que suas fundações estão começando a se abalar. Pois a terra sempre carrega seu fim dentro de si. Aconteceu de vivermos num tempo em que muito poucos de nós, muito poucas nações, muito poucas seções da terra conseguirão se esquecer do fim. Pois nestes dias as fundações da terra são abaladas. Que nós possamos não desviar nossos olhos; que possamos não fechar nossos ouvidos e bocas”. Mas que, ao invés, possamos ver, através do desmoronamento de um mundo, a rocha da eternidade e a salvação que não tem fim!


Paul Tillich, The Shaking of the Foundations, capítulo 1.
Tradução de Felipe Epprecht Douverny.